quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Neymar está certo: o futebol está chato

Há várias coisas chatas no futebol. Negar a mão para alguém caído, no entanto, tem outro nome



Na vitória contra o Rennes, pela Copa da França, como é costume, Neymar envolveu-se num perrengue contra os adversários. Após cometer falta sobre Traoré, receber cartão amarelo e aplaudir o juiz, aproximou-se do adversário caído e fingiu que o ajudaria a se reerguer, mas logo tirou a mão e o deixou no vácuo, afastando-se com uma risadinha. Perguntado sobre o lance e as críticas que já pipocavam de todo lado, respondeu que "o futebol está chato".
E Neymar está certo: o futebol realmente está chato. É extremamente chato ver a garotada impossibilitada de se aproximar de seus ídolos, geralmente cercados de seguranças. Nada é mais sem graça do que ver os maiores jogadores do Brasil reduzidos a avatares do Instagram, apartados da sociedade, da rua e da própria cultura do futebol. Com entrevistas vazias que jamais deixam o conforto da irrelevância. Isso é algo realmente chato.
É de uma chatice atroz ver a gurizadinha pequena preferindo os multimidiáticos superclubes europeus, pertencentes a uma realidade que nunca será a sua, vestindo camisas com escudos com menos história do que no mínimo trinta clubes brasileiros, e que é justamente para lá que vão os melhores jogadores, profundamente preocupados com suas marcas pessoais tão narcisistas quanto vazias. E que por isso tenhamos de presenciar a quintessência da chatice originada pelo ego inflado que chega ao ponto de sonegar uma cobrança de um pênalti a um companheiro de equipe que entraria para a história. Que chatice brutal.
Que os ídolos estejam cada vez menos espontâneos, tenham se transformado em produtos ambulantes, que vivam em bolhas, apartados da realidade e sigam exclusivamente o cheiro dos petrodólares, isso é um pouco chato. Mas não se compara ao fato extremamente chato de que tenham ganhado o noticiário por frequentes acusações de sonegação de impostos, como se o status que alcançaram no gramado servisse de alvará para as condutas mais condenáveis fora do campo.
Os ingressos caros, a transformação do torcedor em consumidor e a higienização dos estádios, cada vez mais assépticos e sem alma. A distância aparentemente irreversível entre um punhado de clubes da Europa e o resto do mundo e a ladainha preconceituosa que sugere uma suposta inferioridade cultural sul-americana como culpada por esse abismo. O futebol transformado em uma imensa bolha financeira e cada vez mais apartado de qualquer função social. Tudo isso é imensamente chato. O que de forma alguma pode ser considerado chato é estender a mão para alguém caído e retirá-la em tom de zombaria. Isso tem outro nome: é um gesto que expressa falta de hombridade e desprezo por qualquer código de respeito, empatia e civilidade primordial.

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