sábado, 24 de novembro de 2018

Crônica do acesso: o CSA e o campo mágico do futuro

Em três anos, Azulão trocou um calendário vazio pela Série A do futebol brasileiro


Às vezes, a crença parece ingênua. Você luta por uma causa que parece nunca lhe responder. Cadê os sinais?

Do nada, em meio ao redemoinho feito de poeira, tudo se mexe. Vira pelo avesso. Tudo parece fazer sentido.

Eu me lembro bem daquela noite estranha. Tinha chovido em Maceió. Ainda estava quente, até porque o clima na cidade não é muito de se entregar aos caprichos do frio.



No rosto, a chuva de abril se misturava ao suor. Subir a rampa do Rei Pelé requer um certo esforço. Lá fui eu. Certo de que minha missão era inglória, como parecia ser a do CSA.

O torcedor que nasceu depois do tetra estadual, em 1999, parecia ter recebido uma praga no Dia de Finados. Coisa mesmo do mundo sombrio.

- Vai ter que se contentar com vitória magra, em jogo menor. Nada de faixa no peito. Volta olímpica, xiii... nem pensar.


Tinha mesmo que engolir o choro e se contentar com pouco. Foi a sorte quem quis.

Vestida de azar, caracterizada, a sorte costuma fazer maldades com a gente de sorriso no rosto. Ela ri enquanto nos espeta.

Cada jogo era uma prova de resistência. Era difícil acreditar numa mudança, num acontecimento capaz de abalar a cidade. O normal mesmo era perder.

Naquele dia meio chuvoso, o CSA perdeu, como já estava acostumado nesse tempo. Foi 2 a 1 para o Coruripe.

Quem foi ao estádio, de tanto sofrer na última década, até que esperava a eliminação na semifinal do Alagoano. Dito e feito. E ainda teve consequência: o CSA foi condenado a passar o resto do ano de 2015 sem calendário, sem colocar o time em campo.

Caras tristes, amarradas. Silêncio nas bocas, no estádio e no peito. Revolta, suor e decepção. Tudo bem misturado. Parecia que a realidade do CSA era a derrota. Só parecia.


O que seria da euforia se não fosse o caos? Naquele mesmo dia começou a virada. Eu sabia o que viria pela frente. Sabia porque vinha do tempo que ainda não havia se mostrado. O que tinha para fazer era convencer quem não acreditava.

- Vamos, continue, não desista!

Tinha que dizer aos torcedores para guardar aquela derrota com carinho, cuidado, porque ela iria florescer em vitórias. Muitas delas.

- Pega o doido! - gritou um, mais afoito.

Não me abalei. Depois, na saída do estádio, contei a história a um senhor de mais ou menos 75 anos, bem abatido.

- Olha, não fique triste, meu amigo. Daqui a três anos, em Caxias do Sul, o CSA vai subir para a Série A. Vai ter titulo da Série C, estrela no peito, três acessos, e tudo vai desaguar na Primeira Divisão. Pode acreditar.


O velhinho balançou a cabeça e disse, baixinho.

- Meu filho, as glórias do Azulão ficaram no meu tempo. De lá, eu vi Dida, vi Paranhos, vi Peu, vi Lino... Deixe tudo no seu devido tempo. O passado dessa camisa me conforta.

- Não, não... Tem muito mais pela frente. O tempo vai colocar mais gente nessa lista: Didira, Daniel Costa, Rafinha, Marcelo Cabo... Esses nomes vão mudar toda a história, vão mexer no álbum de fotos marcantes do Mutange.


O velhinho e outros tantos torcedores não acreditavam no que eu dizia. Mas lembro que, mesmo assim, não largavam aquela bandeira, não tiravam aquela camisa.

- Se a derrota vier, que venha - pensavam.

- Não vou deixar o meu CSA sozinho, no escuro do estádio vazio.


Mais atrás, vinha uma família. Mãe, pai e uma garotinha, de mais ou menos nove anos. Voltei a subir a rampa e contei a mesma história de antes.

Nem mudei as palavras. O casal se olhou e estava para seguir quando foi puxado pela menina.

- Eu não disse, mamãe! O CSA vai jogar na Série A contra aqueles times todos do álbum do Brasileirão. Tá vendo, papai? Eu sabia, eu sabia - vibrou.

O pai olhou pra mim com a cara de quem também não acreditava, mas sorriu. A mãe ficou com chuva nos olhos.

Também me emocionei. São as crianças que enchem meu gramado de imaginação. Dribles invertidos, defesas voadoras e faíscas no contato imediato da bola com o chute. Para elas, a rede e a garganta pegam fogo quando o gol é confirmado.

Sorri para a garotinha, me abaixei e disse no seu ouvido.

- Eu sou o futebol, mocinha. Tenho poderes mágicos e vou te encontrar no velho estádio do Mutange, daqui a três anos, na maior festa da história do CSA. Vai ser inesquecível.


A menina me deu um abraço e desceu a rampa agarrada na mão dos pais. Feliz da vida. Quando olhou pra trás, eu já havia sumido.

Hoje, no meio desse baile louco do acesso, venho aqui no Mutange pra lembrá-la daquele dia chuvoso. A derrota dói, mas passa.

E assim a história cumpre os seus ciclos. Eu sei porque tenho um certo domínio do tempo, da bola e, por fim, apenas imito a vida.



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